sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Retrato da Escola


Nessa postagem voltei em 2014 quando lecionei pela primeira vez como regente, para mim foi bem difícil vivenciar numa comunidade escolar totalmente carente financeiramente e afetivamente. Meus alunos vinham 80% de famílias desestruturadas, sendo criados a Deus dará popularmente falando. A escola era um local onde tinham um pouco de segurança, amor, alimento e tudo que uma criança precisa aprender em casa eles aprendiam com os professores. A escola como estrutura física era muito debilitada como a maior parte das escolas da rede pública, mas mesmo assim era bem melhor que seus lares.
Foi nessa escola que nasceu minha vontade de compreender como a criança aprende, e que resolvi sair da Licenciatura em Ciências da Natureza, com habilitação em Biologia e Química, para fazer o PEAD.
A gestão escolar, os professores, e os funcionários não acreditavam nos alunos que ali frequentavam, então escutei em uma das reuniões pedagógicas que com aqueles alunos não precisávamos nos esmerar nos planejamentos e nos ensinamentos, pois poucos chegaram no final da educação básica. E os demais seguiram as profissões dos seus pais, que eram papeleiros, profissionais do sexo, e até mesmo traficantes. Palavras absurdamente intensas, que jamais pensei escutar sair da boca de quem estava ali para acreditar que a educação um dia fará a diferença.
Além de observar isso atentamente, observei que muitos de nós professores vemos somente o feio, estragado, ruim, triste, e não conseguimos ver nos olhos daquelas crianças que não pediram para nascerem naquela situação, alunos com olhos sedentos de amor, afetos, fome, de aprender, e de ver que alguém consiga acreditar neles, pois em casa poucos possuem adultos para se espelharem e acreditar que estudando podem sair da situação em que se encontram.
Acho que uma atividade legal de se fazer com os alunos era mostrar o histórico da escola, como ela era no início, e os alunos que lá se formaram, e que os alunos que foram importante para a sociedade Porto alegrense, assim instigando os alunos de hoje querer fazer diferente, estudar, aprender e conseguir ter um índice positivo de aprendizagem. Como foi importante essa atividade, mesmo realizando ela depois que não estava mais na escola trabalhando, com ela pude observar o quanto um professor pode errar com seus alunos tendo pensamentos preconceituosos e discriminatórios.
Um dia a diretora me chamou atenção e me questionou: “Andreia como faz para teus alunos vir numa tarde chuvosa, e fria, tua turma está sempre cheia? Respondi: Faltam três alunos”. Ela sorriu me abraçou e seguiu para direção, e assim foi todo o ano letivo. Naquele momento que ela disse, não entendi o seu questionamento, hoje lembrando, de tudo novamente, veio essa memória, amei aquela turma de quarto ano, alunos complicados, brigões, revoltados, digamos que um tanto mal educados, pois adoravam dizer palavrões na escola, mesmo eles sendo assim aprendi a amar cada um deles e entender tudo que diziam, e na maneira de olhar.  Nesse ano letivo nunca faltei, e nunca os tratei diferente, abraçava a todos, e os que vinham me cumprimentar fazia igualmente. Nunca passei a mão por cima de nenhum deles, sempre fiz com que se sentissem iguais e que todos tinham chance de aprender. Os respeitava em suas particularidades e para conversar com eles e chamar atenção chamava e conversava no corredor, sem os deixar envergonhados sem expor diante da classe, e assim eles também faziam comigo me chamavam para conversar sobre qualquer assunto também no corredor. Cobrava tema, atividades que era para realizar em casa, mas com tempo fui percebendo que muitos deles não tinham o suporte familiar para ajudar eles em casa, daí dava uma folhinha ou um tema mais fácil.
Assim fomos construindo um laço de cumplicidade a turma e eu. Nesse ano nasceu a professora Andréia, e mesmo antes do PEAD, sempre revia meu dia numa reflexão de como melhorar, ou continuar o que deu certo.
Sinto saudades dessa turma, e gostaria imensamente de revê-los, hoje são adolescentes muitos indo para o nono ano, às vezes falo com a secretária da escola a única funcionária que permanece na escola, ela diz que estão bem, alguns ótimos, outros saíram, e uns repetindo e recuperando.
Essa escola faltava um pouco de bom olhar dos professores, funcionários e gestores, formular projetos e tentar melhorar a escola. Fazer a comunidade se sentir parte da escola, acho que faltou isso para deixá-la melhor. Ser menos impessoal, e deixar o preconceito e a discriminação de lado e pensar nos alunos.
Por isso, em novas escolas que entro para fazer qualquer atividade peço para dar uma lida no PPP da escola, e depois dessa atividade sempre procuro olhar a escola nos detalhes, procuro escutar os alunos e ler as entre linhas isso que vai me mostrar a verdadeira identidade escolar.

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